sexta-feira, 10 de abril de 2009

Tentação



Ela não estava com soluço, o dia não estava claro, assim como ela também não era ruiva. Mas aquele conto de Clarice Lispector, com pequenas alterações, parecia escrito para eles.
As ruas não estavam vazias, as pedras estavam frias, mas sua cabeça flamejava. Sentada diante de seu coco gelado , ela tentava controlar um turbilhão de emoções. Pessoas na rua, algumas esperando inutilmente no ponto de ônibus. E ela recriminando-se por estar com o olhar submisso. Olhavam-se sem palavras... Numa terra de brancos, ser índio seria uma revolta involuntária? O que a salvava era sua pasta de trabalho. Segurava-a com um amor conjugal já habituada.
Ela julgava está diante da sua outra metade neste mundo. Era um índiozinho lindo, doce sob a sua fatalidade de ser lindo.
Pegou-a desprevenida... Suavemente avisada pelos ventos... Ele estacou diante dela... Ambos se olhavam...
Se olhavam como seres que estão prontos para se tornarem donos do outro ser. Lá estava ela, achando ter vindo ao mundo para ser dona daquele Índio. Ele tocou-lhe o rosto para retirar uma minúscula abelhinha de sua face, pousada ali porque ela nunca estivera tão doce... Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava ?
O que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se, com urgência...E em sua feminilidade ela sentiu-se encabulada.
No meio de tanta vaga impossibilidade, ali estava desenhada a felicidade para a mulher pele vermelha. E no meio do cenário de mar e flor, em um mundo de homens brancos, estava uma índia querendo voltar às suas raízes, à sua tribo. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes à paisagem... Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.
Mas ambos eram comprometidos...
Ela com sua missão profissional à cumprir, e Ele, com sua natureza talvez já aprisionado por outra tribo.
Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem o mais sábio dos pajés saberia explicar. Mal conseguia acreditar que ainda respirava... E debruçada sobre o volante, acompanhou-o com o olhar até vê-lo dobrar a outra esquina.
Não foi POR ACASO que postei hoje, não é um dia comum... Mas Uma SEXTA FEIRA DA PAIXÃO!

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